Manuel, o lavrador
Mais do que uma vez o lavrador, de nome Manuel, ficava
admirado com as maravilhas da Natureza. Ele era dono de um lindo trator amarelo
e de uma quinta, com um enorme pomar, onde crescia uma grande variedade de
árvores de fruto. Manuel tinha quatro filhos, todos rapazes, eram o resultado
de uma união feliz e duradoura com a sua Henriqueta. A sua esposa, mulher
dedicada às tarefas do lar, fizera, na opinião de todos os familiares, amigos e
vizinhos, um belo trabalho na educação das quatro crianças. Sim, porque Manuel
ausentava-se todos os dias, pela manhã bem cedinho, no seu trator amarelo, para
cuidar da quinta. O cultivo da terra estava ao seu encargo, era dela que vinha
o sustento de toda a casa. O seu trator dava uma preciosa ajuda mas havia
sempre tanto para fazer: lavrar, semear, adubar, regar, podar, colher...
Certa manhã, após um reforçado pequeno-almoço e os beijos
carinhosos entregues a cada um dos filhos e esposa, Manuel saiu para o
trabalho. Chegou ao pomar, estacionou o trator amarelo e, antes de dar inicio
às tarefas do dia, fez a sua já habitual caminhada pelo enorme pomar. Gostava
de passear por entre as árvores para apreciar o despertar da natureza; os
passarinhos felizes faziam voos rasos ao solo, na procura de alimento, as
abelhas lavavam os seus rostos pequeninos no orvalho das folhas, enquanto as
formigas penteavam as suas longas antenas à luz dos primeiros raios de sol.
– Como é perfeita e harmoniosa a natureza! – disse, Manuel
ao encher o peito de ar.
Mas de repente parou admiradíssimo. Um dos seus
pessegueiros, o mais pequeno de todos os que ali se encontravam, suportava num
dos ramos cinco enormes pêssegos! Espantado, ergueu a mão direita ao alto da
cabeça, segurou na pala do boné, coçou a testa e ajeitou-o novamente:
- Que estranho! Ainda ontem passei por aqui e não vi nenhum
pêssego e agora… olhem-me estas cinco belezas?! São um regalo para os olhos,
sim senhor!
- Tenho cá pra mim, Manuel – falava consigo mesmo - que a
idade anda a fazer das suas. Estás a ver mal, e só agora deste por isso.
- Deixa cá ver meu rapaz – disse para o pequeno pessegueiro
- tu precisas de uma ajudinha. Sim porque com esse peso todo na ramada não
chegarás à minha idade – e soltou uma gargalhada tão forte que assustou o melro
que andava por ali perto a catar minhocas.
O lavrador procurou então com o olhar um pau que servisse de
suporte aquele ramo tão carregadinho, que sem uma ajudinha, não tardaria a
partir. Encontrou o que procurava a poucas dezenas de metros.
Com delicada firmeza espetou o pau no solo. Certificou-se de
que estava bem seguro e colocou sobre ele o ramo com os cinco pêssegos.
- Pronto! Agora já posso ir trabalhar descansado – disse
satisfeito - Logo mais, passarei por aqui para ver como te encontras.
Acariciou o tronco do pessegueiro, como quem acaricia a
cabeça de uma criança, e dirigiu-se para o seu trator amarelo. Tinha de começar
a trabalhar.
O sol espreguiçava-se e estendia os seus longos braços por
entre as nuvens. E em terra as sombras abrigavam-se debaixo da copa das
árvores.
Logo que subiu para o trator, Manuel pressentiu que o dia ia
ser quente, e não se enganava, a temperatura ultrapassaria os 30ºgraus.
Durante as várias tarefas, Manuel ia pensando no
aparecimento repentino daqueles pêssegos. Ele tinha quase, quase a certeza de
que no dia anterior eles não estavam lá!
- A fruta não cresce da noite para o dia … por muito boa que
a terra seja e por melhor adubada que esteja, é impossível – cismava ele
enquanto lavrava uma pequena porção de terra.
Concluído o trabalho da manhã e antes de regressar a casa
para almoçar, foi ver como estava o pessegueiro. Queria verificar se o pau que
ele colocara mantinha o ramo em bom estado.
Ao deslocar-se para o pomar deparou-se com um cenário
curioso. Um carreiro enorme de formigas, cada uma delas levava um pedacinho de
folha. Uns pedacinhos eram maiores do que os outros, consoante a força de cada
uma das formiguinhas, mas havia entre elas uma, muito mais franzina e
pequenina, que transportava um pedacinho de folha com muito sacrifício.
- Oh, pobrezinha, vai tão carregadinha – lamentou Manuel.
Mas assim que ele acabou de falar, apareceu uma formiga
maior para ajudar a formiguinha pequenina a transportar aquele pedacito da
folha.
Este espírito de entre ajuda despertou a atenção do lavrador.
- É uma pena que nós, humanos, nos esqueçamos dos ensinos
que a natureza nos dá! – disse ao observa-las admirado.
- União, companheirismos, determinação, persistência… que
maravilhoso ensino nos transmitem estes pequenos seres. Foi então que teve uma
ideia.
- Vou levar estes cinco pêssegos para casa. Darão uma
deliciosa sobremesa para os meus cinco tesouros – referia-se à esposa e os
quatro filhos –, mas também servirão para eu avaliar o coração dos meus quatro
rapazes.
E assim fez. Com muito cuidado colheu os cinco pêssegos,
colocou-os numa caixinha de cartão forrada com folhas de figueira, para não se
pisarem durante a viagem, e retirou o pau que servira de apoio ao ramo. O
pessegueiro, agradecido, erguia agora livremente todos os ramos no ar.
Já em casa esperou que os filhos se deliciassem com o arroz
de pato que a sua Henriqueta preparara com muito amor! De seguida distribuiu os
cinco frutos. Os olhos arregalados, da pequenada, ao verem aqueles pêssegos
enormes, provocou um sorriso rasgado em Manuel.
- São grandes não são? – questionou ele.
- São enormes, papá – disse, André o mais velho – e têm uma
cor e um aspeto tão suculento.
- Hum… cheira tão bem. A pele fininha faz cócegas no nariz-
disse o Joãozito, o mais novo dos quatro irmãos.
- Pois faz – confirmou a mãe com um sorriso - Creio que
nunca tivemos uns pêssegos tão grandes na quinta, Manuel.
- É verdade, até eu me espantei pela manhã quando os vi. São
um regalo para os olhos e devem ser um regalo nas vossas barriguinhas – disse
ao apontar na direção deles.
- Podemos comê-los já? – perguntou, Joãozito.
- Claro que sim – respondeu-lhe o pai - E enquanto vos
deliciais eu retorno ao trabalho, antes que se faça tarde. Tenho um bom pedaço
de terra para semear.
Um a um, levantaram-se da mesa, abraçaram e beijaram o pai,
antes que ele se ausentasse para o pomar.
- Uma boa tarde de trabalho, querido – desejou-lhe a esposa
com um abraço.
- Obrigado, para ti também – retribuiu Manuel com um beijo
suave na testa.
Durante a tarde, Manuel recordava os olhares admirados de
espanto dos seus pequenos. Estava ansioso por regressar ao lar. Queria saber o
resultado da prova daqueles frutos, ou o que teriam feito com eles. A tarde
pareceu-lhe mais longa do que o habitual, tal era a ansiedade que sentia.
Mas finalmente aproximou-se a hora de voltar, estava
cansado. Arrumou as ferramentas e o resto das sementes no pequeno celeiro,
fechou a porta e subiu para o seu trator amarelo. O calor, mais brando,
fazia-se acompanhar duma brisa vinda da serra. Só o chilrear da passarada quebrava
o silêncio daquele fim de tarde. O barulho do trator amarelo abafou por
momentos a melodia desordenada que se instalara no pomar, mas rapidamente se
afastou levando consigo o cansaço do seu dono. Ao chegar a casa, Manuel
despiu-se da fadiga, abraçou os filhos a esposa e perguntou-lhes:
- E então, comeram os pêssegos?
- Eu
comi, papá – respondeu, André – era tão saboroso! Mas guardei o caroço, para
plantar. Em breve terei o meu próprio pessegueiro.
– Muito bem
meu filho – disse Manuel – um economista a pensar no futuro.
– Eu também
já comi o meu, papá – disse, Joãozito - comi-o logo, e a mamã ainda me deu
metade do dela. Hum… era tão macio e docinho.
– Ah, seu
guloso – disse o pai com um leve sorriso – és ainda muito pequenino mas
espero que mudes de comportamento à medida que cresceres.
- Sim, papá
– respondeu com timidez.
– Eu não
comi o meu - disse-lhe Pedro - apanhei o caroço que o Joãozinho lançou
fora, abri-o e comi o que estava dentro, parecia uma noz mas não era saboroso.
- E o que
fizeste com o pêssego? – quis saber o pai
- Vendi-o
para comprar outras coisas na cidade.
Manuel
abanou a cabeça.
– Foste
engenhoso, filho mas eu preferia que fosses menos cálculista. Então e tu,
Tiago, comeste o teu pêssego?
– Não,
papá. Oferecio-o ao filho da nossa vizinha que está doente, com febre.
Ele não o quis comer mas deixei-lho em cima da mesinha de cabeçeira quando
me vim embora.
– Hum…
muito bem! – Manuel sabia agora qual dos seus filhos tinha um coração mais
generoso.
- Digam-me
um coisa – quis saber o lavrador -, na vossa opinião quem, dos quatro,
deu melhor uso ao pêssego que recebeu?
André,
Pedro e Joãozito responderam a uma só voz:
- Foi o
mano, Tiago.
-
Exactamente! E eu espero que vocês aprendam a ser mais generosos, e sigam o
exemplo do vosso irmão.
- Sabem,
hoje no pomar deparei-me com uma situação curiosa. Um enorme carreiro de
formigas, cada um levava um pedacinho folha. Vocês já observaram estes
animaizitos algumas vez?
As quatro
cabecitas acenaram negativamente.
- Pois eu
fiquei a saber que elas são muito trabalhadeiras, muito amigas e unidas.
Naquele carreirinho havia uma formiga que era mais pequenia e fraquinha do que
as outras. E eu reparei que ela levava o seu pedacinho de folha com muita
dificuldade, parecia que tropeçava, desfalecia. Eu estava cheiinho de pena dela
quando de repente outra formiga, maior e mais forte, veio ajuda-la a
transportar aquele pedacinho de folha.
- Oh, foi
tão querida, papá – disse Joãozito.
- E
verdade, foi muito querida! E nós, humanos, também devemos ser assim, devemos
ser amigos uns dos outros, ajudando os mais fracos e doentes, sem invejas, nem
rivalidades.
A mãe
Henriqueta que ouvira da cozinha todo aquele diálogo entre pai e filhos,
aproximou-se do Tiago e abraçou-o com os olhos rasos de lágrimas.
Até que,
Joãozito o mais travesso dos quatro se agarrou às pernas do pai e perguntou:
- Papá eu
prometo não ser mais guloso, nem comer do pêssego da mamã mas… trouxeste mais
frutinha docinha e amarelinha, como o teu trator amarelo, papá, trouxeste? - o
seu jeitinho inocente e reguila fez soltar uma risada geral.
Manuel, um
apreciador da natureza e dos seus ensinos, sentia-se um homem feliz e
realizado. Mas ele sabia que o amor e a bondade que ele cultivava
cuidadosamente no coração dos seus quatro filhos eram a sua melhor sementeira.
© Florbela Ribeiro